A possibilidade de preservar o potencial reprodutivo representou um grande avanço para a medicina reprodutiva. As doentes diagnosticadas com cancro que se submetam a um tratamento de quimioterapia ou radioterapia que pode afetar a fertilidade ou aquelas mulheres que por qualquer outra razão queiram adiar o seu projeto reprodutivo, têm a opção de vitrificar os seus óvulos, e no futuro, se decidirem engravidar e não conseguirem de forma espontânea, podem recorrer aos mesmos.
“Em Portugal, como no resto da Europa, a tendência atual é adiar a maternidade por vários motivos (aposta na carreira, maior estabilidade e independência financeira ou simplesmente não ter a pessoa certa ao seu lado), por isso surgiu o conceito de preservação de fertilidade «social», que permite às mulheres gerir a sua vida de acordo com os seus objetivos. A altura ideal para fazê-lo é até aos 35 anos para poder «guardar» os ovócitos em quantidade suficiente e de boa qualidade. É um processo simples e rápido que se conclui em cerca de duas semanas”, explica a ginecologista, Dra. Tatiana Semenova do IVI Lisboa.
Recentemente, a prestigiada revista Human Reproduction, publicou um estudo liderado pela Dra. Ana Cobo, diretora da Unidade de Criobiologia do IVI, intitulado “Elective and oco-fertility preservation: factors related to IVF outcomes”, no qual também participaram os doutores José Remohí, Antonio Pellicer e Juan Antonio García-Velasco. Este dá resposta às principais dúvidas das mulheres em relação à preservação de fertilidade, e inclui estatísticas acerca da taxa de gravidez que pode alcançar uma mulher que vitrifique os seus óvulos, em função da idade e do número de ovócitos que vitrifique.
“Um dado muito chamativo é que as mulheres menores de 35 anos que preservaram a sua fertilidade por motivos sociais alcançaram uma taxa de sucesso de 94% ao obter 24 ovócitos para vitrificar, enquanto as que tinham mais de 35 anos, com uma quantidade semelhante de ovócitos, apenas chegavam a 50% de probabilidade de gravidez de termo. Daí a importância de preservar a fertilidade antes dos 35 anos, algo que desde sempre insistimos por conhecermos o efeito da idade na qualidade dos óvulos”, explica a Dra. Ana Cobo.
No grupo de doentes que vitrificam por motivos oncológicos não se observa a mesma tendência, em grande parte devido ao tamanho da amostra que regressa para utilizar os óvulos vitrificados (ver gráfico abaixo).
O estudo é uma amostra da realidade social, que indica como o grupo maioritário de mulheres que preserva a sua fertilidade por motivos sociais continua a situar-se acima dos 35 anos. De facto, este último grupo aglutina mais de 70% das mulheres que preservaram a sua fertilidade por motivos sociais no IVI, e 15% tinham mais de 40 anos. Esta tendência inverte-se no caso dos ciclos de onco-fertilidade, em que 70% das doentes tinha menos de 35 anos.
A Dra. Tatiana Semenova complementa: “na clínica IVI Lisboa também temos o programa de preservação de fertilidade gratuito para os doentes oncológicos (homens e mulheres) que permite a possibilidade de preservação do seu potencial reprodutivo antes de se submeter aos tratamentos potencialmente gonadotóxicos1 – quimioterapia e radioterapia – para um dia mais tarde poderem concretizar o sonho de serem pais”.
“Neste estudo retrospetivo integrado 83,5% das mulheres optou por uma preservação eletiva da fertilidade e 16,5% fê-lo- por motivos oncológicos (principalmente cancro de mama). Destas mulheres aproximadamente 700 regressaram para tentar ser mães, 162 bebés nasceram fruto de preservação por motivos sociais e 25 bebés nasceram depois das mães superarem o cancro”, explica a Dra. Ana Cobo.
O IVI foi pioneiro a nível Ibérico na vitrificação de ovócitos e conta com o maior número de casos e resultados até à data. Isto permitiu que a amostra do estudo, formada por 6.332 mulheres, seja a mais ampla publicada até ao momento em trabalhos que se refiram a dados de uso, eficácia e prognóstico de esta técnica de conservação de gâmetas.
Além disso, o trabalho mostra uma clara evolução da técnica quando se realiza por motivos sociais, que em pouco mais de 10 anos aumentou 18%, passando de 2% para 22% do total de tratamentos realizados no IVI (período estudado: 2007 – 2017).
“Apesar das taxas de retorno ainda serem baixas, com cerca de um 15% na preservação social e aproximadamente 10% em oncológica, o certo é que esta técnica teve um crescimento exponencial nos últimos anos e prevemos que siga a mesma tendência nos próximos anos, pelo que exige um estudo detalhado e em profundidade das suas implicações, não só médicas, mas também sociais”, conclui a Dra. Ana Cobo.